Sementes tratadas com defensivos sustentam a produção de orgânicos

Alimentos: Ainda que o cultivo não seja convencional, a origem da maior parte dos produtos no país é a mesma. Os alimentos orgânicos produzidos no Brasil são gerados a partir de sementes, em grande maioria, tratadas com defensivos. A prática é comum em todas as culturas, inclusive nas que são certificadas por entidades credenciadas no Ministério da Agricultura. A exceção são os produtos destinados aos Estados Unidos e à Europa, mercados onde o insumo orgânico é obrigatório.

Segundo o Valor apurou, virtualmente todas as sementes de lavouras orgânicas no país são de origem convencional – mais de 90% do total semeado nesse tipo de agricultura, estimam fontes do setor. Na prática, isso significa que, em alguma etapa do seu desenvolvimento, elas recebem uma dose de defensivo agrícola.

De acordo com o Ministério da Agricultura, produtos orgânicos seguem “princípios de uso responsável dos recursos naturais. Não é permitido o emprego de substâncias que coloquem em risco a saúde e o ambiente. Também não são aplicados fertilizantes sintéticos solúveis, agrotóxicos e transgênicos às culturas”.

Esse paradoxo é explicado, em parte, pela inexistência de produção de sementes orgânicas no país. Há apenas uma associação no ramo, a gaúcha Bionatur, ligada ao Movimento Sem-Terra. Com produção de apenas seis toneladas por ano de sementes de hortaliças, a associação não tem escala nem tecnologia para atender as necessidades de mercado de quase 1 milhão de hectares plantados no país, segundo os dados mais recentes disponíveis.

A Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), que representa os produtores, afirma que as sementes orgânicas sequer entram nas estatísticas. “Não conseguimos nem saber qual o tamanho que esse mercado tem no universo das sementes convencionais e geneticamente modificadas”, afirma Ywao Miyamoto, presidente da Abrasem.

Pesa ainda um fator econômico. De acordo com Paulo Christians, diretor-geral da Bejo, empresa holandesa de sementes com escritório no Brasil, o insumo convencional custa, em média, a metade do preço de seus pares orgânicos. “Por isso é que a gente encontra muita resistência do produtor de orgânico em comprar sementes orgânicas”.

A resistência ocorre também porque, até recentemente, não havia nenhuma lei que exigisse do produtor ser orgânico do começo ao fim. “Até hoje não conseguimos fazer o mercado se mexer”, diz José Santiago, ex-presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Agricultura Orgânica e diretor da certificadora Instituto Biodinâmica (IBD).

A situação deverá mudar nos próximos anos, graças à regulamentação da lei de orgânicos, que criou padrões nacionais para a produção. Publicada em dezembro de 2008, ela dá ao produtor o prazo de cinco anos para adequar-se às normas – a obrigatoriedade do insumo orgânico está entre elas. Uma única ressalva: a instrução normativa prevê que sementes convencionais continuem sendo utilizadas desde que produtores e certificadoras comprovem a indisponibilidade da variedade no mercado.

A pergunta que fica é se os resíduos químicos permanecem no alimento orgânico. Sementes convencionais estão sujeitas a aplicações de defensivos em dois momentos: quando a semente ainda se desenvolve na lavoura e, na maioria dos casos, também depois de colhida, antes de ser embalada para comercialização.

Segundo profissionais da área química consultados pelo Valor, embora as chances de se detectar resíduos tóxicos nesses produtos sejam remotas, tecnicamente eles não poderiam ser qualificados como orgânicos. Para que um alimento seja orgânico, a cadeia inteira deve ser produzida a partir dos mesmos preceitos.

As empresas que comercializam sementes na Europa e EUA informam que para se chegar a uma linha orgânica são precisas pelo menos sete gerações. Esse é o tempo médio necessário para que ocorra a “purificação” das variedades convencionais que recebem tratamento com defensivo.

Para o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), trata-se de um direito do consumidor conhecer a procedência de seu alimento, mesmo que os resíduos químicos sejam mínimos. “Você paga caro e espera ter a garantia de que é orgânico. Mas não estão te contando a história inteira”, diz Lisa Gunn, gerente de informação do Idec, que desconhecia o fato. O órgão enviará um questionamento formal às certificadoras para esclarecer a questão.

O fato suscita também um debate semelhante ao ocorrido com a indústria de transgênicos, obrigada a acrescentar um símbolo nas embalagens de óleo de soja produzido a partir do grão geneticamente modificado. Hoje, mesmo usando sementes que receberam algum tipo de tratamento, não há nenhuma informação sobre o fato nos produtos orgânicos.

Para o Idec, seria “boa prática” das certificadoras e dos produtores disponibilizarem a informação. “Ao não discriminar quem não usa sementes orgânicas, penaliza-se quem usa”, diz Lisa.

Contexto

Mesmo que utilizem sementes que receberam algum tipo de tratamento químico, os alimentos produzidos de forma orgânica no Brasil são comparativamente mais saudáveis que os convencionais, onde há a aplicação direta de defensivos agrícolas sobre a lavoura para a prevenção de doenças. Do ponto de vista técnico, as sementes convencionais tratadas com defensivos sempre deixam algum tipo de resíduo para o alimento produzido, diz Ywao Miyamoto, da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem).

Ele lembra, porém, que esses resíduos possuem um limite e são autorizados pelos órgãos de regulação, caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Agricultura. José Pedro Santiago, ex-presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Agricultura Orgânica e diretor do Instituto Biodinâmico (IBD), explica que na Europa e nos EUA já existem leis que proíbem o uso de sementes convencionais nesse tipo de agricultura. O Brasil não enfrenta problemas para exportar porque embarca frutas, onde se utilizam mudas e não sementes, e industrializados.

Ascom-Rezende

Fonte: Valor Econômico (Bettina Barros e Alexandre Inacio, de São Paulo)