Escalada na despesa com pessoal se intensifica a partir de 2003 e faz salários dos servidores mudarem de patamar
Escalada na despesa com pessoal se intensifica a partir de 2003 e faz salários dos servidores mudarem de patamar
Impulsionada por uma política de reajustes sem precedentes na história do país, a folha de pagamentos da União terá consumido ao fim dos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a fabulosa quantia de R$ 1 trilhão.
Marca registrada de uma era, a elevação das despesas com pessoal em termos nominais se repetiu ano após ano. Mais recentemente, também houve alta em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o que preocupa os analistas. Em 2010, quando o governo concluirá a rodada de aumentos que beneficiou quase toda a Esplanada dos Ministérios, o desembolso com os Três Poderes — incluindo ativos, inativos, aposentados e os militares — será recorde para um único período: R$ 184,1 bilhões.
A escalada dos contracheques do funcionalismo vem desde os primórdios do Plano Real, mas se intensificou a partir de 2003. Daquele ano em diante, a rubrica passou a pesar cada vez mais nas contas públicas, saltando R$ 10 bilhões, R$ 15 bilhões e até R$ 20 bilhões entre um Orçamento e outro. Ao contrário do que os números podem sugerir, porém, o incremento da folha não é resultado do excesso de contratações. Dados oficiais demonstram que, na gestão Lula, o saldo líquido de servidores civis no Executivo federal — resultado de ingressos e saídas — é de cerca de 64 mil pessoas. Legislativo e Judiciário ampliaram seus quadros em pouco mais de 15 mil trabalhadores.
Decifrando a fatura trilionária, é possível perceber que o setor público mudou de patamar. A despesa média (gasto total dividido pelo número de servidores) dos Três Poderes subiu entre 2003 e 2009, indicando uma elevação do salário médio. Por esse critério, a remuneração média do servidor do Executivo em atividade saiu de R$ 3,7 mil para R$ 6,8 mil; entre os militares, de R$ 1,9 mil para R$ 3 mil; no Legislativo, de R$ 6,9 mil para R$ 12,4 mil; e no Judiciário, de R$ 6,4 mil para R$ 17,6 mil. O efeito desse fenômeno sobre algumas áreas da administração pública é revelador.
Carreiras do Executivo federal que tinham um perfil remuneratório em 2003 agora, em 2010, têm outro completamente diferente. É o caso dos gestores governamentais, que ganhavam R$ 2,9 mil de salário inicial e hoje recebem R$ 12,4 mil. Ou dos auditores fiscais da Receita Federal, que ingressavam ganhando R$ 5 mil e se aposentavam com R$ 7,3 mil — a categoria tem atualmente salário inicial de R$ 13 mil e final de R$ 18,2 mil. Servidores da Advocacia-Geral da União (AGU), do Banco Central, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), entre outros, também foram alvos de importantes correções salariais.
Fernando Abrucio, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que o governo Lula talvez tenha “exagerado” ao aumentar os salários de determinados grupos, mas ressalta que entre erros e acertos a proposta de reorganização da burocracia tem méritos. Para ele, o ataque aos gargalos deve ser reconhecido como algo positivo para o futuro do país. “É uma conta muito burra colocar em investimento apenas infraestrutura. O que é mais importante para o crescimento no longo prazo é a educação, logo, isso é investimento. O governo Lula cresceu muito o gasto com escolas técnicas e pessoal para universidades”, diz.
A criação de instituições federais de ensino, o reforço nos quadros e os reajustes concedidos a docentes e técnicos têm grande responsabilidade sobre o conjunto das despesas correntes acumuladas. Não por acaso, a execução orçamentária do Ministério da Educação mais que dobrou entre 2003 e 2009, passando de R$ 20,7 bilhões para R$ 48,2 bilhões anuais. As estatísticas de recursos humanos disponíveis não permitem o detalhamento das contas, assim como a separação dos aportes com terceirizados (1)nos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso. Segundo Abrucio, o avanço dos gastos na gestão petista tem como causa a substituição de terceirizados mantidos de forma irregular desde o governo FHC. O Ministério do Planejamento não se pronunciou a respeito.
Alerta
Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, afirma que o governo acertou ao corrigir salários que por muito tempo permaneceram praticamente congelados, mas adverte que o atual governo ficará marcado por ampliar despesas com servidores em relação ao PIB. “Comparar os gastos nominais com o funcionalismo ao ritmo de expansão econômica do país não é tarefa fácil. Há divergências até mesmo na contabilidade feita pelo governo, que ora leva em consideração a Contribuição Patronal para a Seguridade do Servidor (CPSS) ora não.
Contando com esse recolhimento, entre 2003 e 2005, a despesa de pessoal ficou em 4,6% do PIB, passando para 4,9% em 2006 e 4,8% em 2007. Nos dois anos seguintes, a conta superou os 5% do PIB, com tendência de alta, fato só ocorrido em 1995, 2001 e 2002. Sem a CPSS, a evolução acontece em ritmo menor. Borges alerta que é essencial estabilizar a despesa com funcionários, qualquer que seja o critério.
1 – Substituição em massa
No governo federal há 35.161 terceirizados — 12.633 na administração direta e 22.528 na administração indireta. Contratadas por meio de organismos internacionais, desviadas de função ou admitidas em desacordo com a lei, essas pessoas estão sendo substituídas. A troca é uma imposição do Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo o Planejamento, como os gastos são descentralizados, não há como saber quanto cada órgão gastou ao longo do tempo com os salários desses funcionários.
Lula x FHC
A conta em cada administração
Govergo FHC (em R$ bilhões – corrigido pela inflação)
1995 – 91,3
1996 – 90,2
1997 – 93
1998 – 98,7
1999 – 97,5
2000 – 103,9
2001 – 108,5
2002 – 110,5
TOTAL – 793,6
Governo Lula (em R$ bilhões – corrigido pela inflação)
2003 – 106,4
2004 – 112
2005 – 118,8
2006 – 132,2
2007 – 139,6
2008 – 150
2009 – 171,9
2010 – 184,1*
TOTAL – 1.115
*Previsão no Orçamento
Gasto com pessoal x PIB (em %)
2003 – 4,65
2004 – 4,61
2005 – 4,67
2006 – 4,95
2007 – 4,88
2008 – 5
2009 – 5,1**
**sujeito a revisão
Fonte: Ministério do Planejamento
FHC gastou R$ 793 bi
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não gastou tão pouco com o funcionalismo como tendem a acreditar os servidores públicos. Corrigindo as folhas de pessoal daquela época (1995 a 2002) pela inflação do período, o volume acumulado pelo tucano chega a R$ 793,6 bilhões em valores atuais. Em meio a um forte e prolongado ajuste fiscal baseado na redução das contratações, na terceirização de atividades não essenciais ao Estado e na autorização de reajustes salariais mínimos, o tucano — bem ou mal — manteve a máquina de pé.
Elogios
Marco Antônio Villa, historiador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), diz que é impossível traçar um paralelo entre Lula e FHC no que se refere ao tratamento dispensado ao funcionalismo. “O aumento dos gastos no período Lula se explica por demandas da própria sociedade”, justifica o especialista, que elogia os feitos na área de educação. Para ele, saber quem gastou mais ou quem gastou menos é irrelevante perto do que as duas políticas significaram ou ainda podem significar para o país.
Em se tratando de gestão pública, as “escolas” tucana e petista produziram efeitos distintos, avalia Villa. A mudança na área de recursos humanos, segundo o historiador, tem grande fundo ideológico. Se, por um lado, recompôs a força da administração, por outro, criou uma burocracia identificada com os valores do partido que está no governo, segundo a avaliação do especialista. “Nesse sentido, a administração pública acaba se tornando uma correia de transmissão da legenda. Isso pode engessar um governo que não seja do PT”, ressalta.
ASCOM- Rezende
Fonte: Correio Braziliense