Projeto incentiva cultivo de plantas medicinais no norte de Santa Catarina
O assentamento Domingos Carvalho, localizado a 30 quilômetros do município de Rio Negrinho, no norte de Santa Catarina, foi criado em 1999 e abriga oficialmente 30 famílias, de acordo com dados de 2008 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Outras 12 vivem nas instalações como parentes e agregados. Das 30 famílias assentadas, 25 dependem de trabalhos externos, como diaristas em roças de fumo, para completar a renda, que varia de R$ 200,00 a R$ 1.600,00. O acesso precário à cultura, lazer, educação e saúde e dificuldades com o trabalho fazem parte da população jovem deixar o local.
Condições como estas se repetem em outros assentamentos da região norte, que possui o menor IDH de Santa Catarina. Um projeto do Laboratório de Educação do Campo e Estudos da Reforma Agrária (Lecera) em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Incra em Santa Catarina e o Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação Popular e Saúde (Nepeps), procurou desenvolver o cultivo de plantas medicinais, aromáticas e condimentares (PMACs) em 13 assentamentos e três acampamentos da região, como uma forma de acesso à saúde e resgate cultural.
A utilização das plantas medicinais para o tratamento de doenças constitui um amplo campo de pesquisas e pode fornecer subsídios para valorizar e recuperar o saber popular, promovendo a saúde. Os assentados encontram nas plantas uma fonte alternativa, tradicional e natural para curar suas enfermidades. As pesquisas e projetos na área ajudam a suprir uma carência de informações técnicas e agronômicas sobre produção, colheita e beneficiamento, assim como esclarecem aspectos de nomenclatura botânica, toxicologia e formas de uso.
Esta semana, a equipe do Lecera apresentou alguns resultados desta parceria durante a VI Jornada Catarinense de Plantas Medicinais. Fernanda Savicki de Almeida, ex-bolsista do laboratório e hoje doutoranda em recursos genéticos e vegetais, esteve presente desde a primeira reunião que construiu a Jornada. Na apresentação de seu trabalho no evento, ela apresentou resultados do projeto das PMACs que dão base para a sua tese. O pesquisador Clarilton Ribas, coordenador do laboratório, palestrou sobre plantas medicinais como alternativa e solução para a saúde.
DO PLANTIO À COLHEITA: A TRAJETÓRIA DO PROJETO
A ideia de incentivar este cultivo partiu do MST, que procurou parcerias para o desenvolvimento de ações concretas na área. No ano de 2007, o projeto Produção e industrialização de plantas medicinais, aromáticas e condimentares: resgate cultural, viabilidade técnica, econômica e comercial nas áreas de assentamento de reforma agrária da região norte de Santa Catarina foi aprovado pelo CNPq.
Segundo o relatório técnico, a finalidade da ação é investigar as possibilidades de produção e industrialização dessas plantas com duplo objetivo: promoção de saúde e geração de trabalho e renda em áreas de assentamento de reforma agrária. Mas outros fatores são englobados, como a valorização do trabalho da mulher e do idoso, a inclusão de cultivos múltiplos e benefícios ambientais, já que a produção das PMACs exige um sistema de produção limpo.
A investigação uniu quatro campos do conhecimento: a farmacologia, a pedagogia, a economia e a agroecologia. O campo da farmacologia foi necessário para fazer o levantamento das plantas terapêuticas chave para saúde e comercialização. A pedagogia ajudou, ao longo do primeiro ano de execução do projeto, em um trabalho educativo com as famílias assentadas para resgatar no plano cultural a valorização do cultivo e do uso das plantas. A contribuição da economia foi determinar quais plantas possibilitariam geração de renda e trabalho. Através da agroecologia, conceitos e práticas de sustentabilidade foram repassados.
Para atingir todas as famílias englobadas nas metas do projeto, a opção foi formar agentes comunitários de saúde que pudessem multiplicar o que aprenderam. Cada comunidade escolheu um ou mais representantes para participar das atividades. Ao final de quatro encontros realizados em 2008, o primeiro ano da iniciativa, 20 agentes foram formados.
A formação incluiu discussões sobre agroecologia e saúde popular, atividades práticas de compostagem, elaboração de produtos a base de PMACs, treinamento de primeiros socorros e diagnóstico prévio de alguns problemas recorrentes entre a população rural. Kits médicos que continham esfingmanômetro, estetoscópio, termômetro e o livro Onde Não Há Médico, foram distribuídos.
Um dos encontros proporcionou a elaboração de um inventário das PMACs, que foi pensado com o objetivo de levantar – mesmo que aproximadamente – o que as famílias já plantavam, consumiam e conheciam das plantas. Em outra ocasião, Cirino Corrêa Júnior, do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-PR), palestrou sobre secagem, beneficiamento, armazenamento e comercialização das plantas medicinais, aromáticas e condimentares.
Outra atividade foi manipulação de tinturas, xaropes e cosméticos que contou com a contribuição do grupo Linha Verde do curso de Naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Em 2009, a equipe do Lecera acompanhou as atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde nas suas respectivas áreas de assentamento ou acampamento.
Neiva Vieira, moradora do assentamento Justino Drazsewisky e produtora de plantas medicinais há muitos anos, conta que o projeto ajudou a população a desenvolver um conhecimento técnico sobre aquilo que já era cultivado por eles. Nomes científicos, toxicidade das espécies e produção de cosméticos a partir das plantas, tudo isso foi novidade e aprendizado. Hoje, produtores de Justino Drazsewisky, Três Rosas e Norilda da Cruz vendem os cosméticos para feiras e também direto para o consumidor.
Financeiramente, o projeto disponibilizou recursos para a construção de três viveiros nos assentamentos Justino Drazsewisky, Três Rosas e Manoel Alves Ribeiro. A produção das mudas está em fase de adaptação.
Ascom-Rezende
Fonte: Agrosoft, com informações da Ciência em Pauta, da Universidade Federal de Santa Catarina.