Golpe de R$4 milhões deixa funcionários públicos sem salários

Um esquema de fraude que se apoia no Judiciário e em instituições financeiras atua em plena Esplanada dos Ministérios e já tirou cerca de R$4 milhões de funcionários públicos do Senado Federal e da Aeronáutica. Essa é a estimativa das vítimas que foram seduzidas por práticas nada convencionais de refinanciamento de débitos e acabaram sem salário. Alguns estão há três meses sem receber e se uniram para brigar na Justiça para ter os vencimentos de volta.

Vendedores de crédito, conhecidos como “pastinhas”, circulam nos corredores das duas instituições com a promessa de suspender a cobrança de parcelas de empréstimo consignado que estão em curso, para que novos sejam feitos. Eles têm parceria com um homem que se apresenta como advogado, mas não tem registro na Ordem dos Advogados do Brasil: Abraão de Queiroz Garcia, que teria um escritório em Natal, consegue, sempre com um mesmo juiz de Teresina (PI), liminares para que os empréstimos deixem de ser cobrados.

A partir daí, os funcionários relatam que eram coagidos por ele e por outro “consultor”, chamado Marcelo Tagliaferro, para pegar novos financiamentos no total da margem consignável, ou seja, o máximo possível. Isso porque a comissão cobrada é de 35% do valor financiado. Para uma fonte do Ministério Público, além de estelionato, é agiotagem.

Vítima diz que chegou a “pegar quase R$900 mil”

A partir daí, acontece o que, nos tribunais, é conhecido como a “mágica travada”. Mesmo com restrição judicial, eles vêm conseguindo os financiamentos. Uma das vítimas chegou a “pegar quase R$900 mil”: o limite possível para uma aposentada do Senado.

– Eu disse: mas como? Saiu até na margem (documento emitido pelo empregador): restrição judicial. E eles fizeram assim mesmo – afirmou outra funcionária.

Essa servidora tem um dos cargos mais simples do Senado. Trabalha na portaria e, mesmo assim, ganha quase R$25 mil de benefícios acumulados em quase 40 anos na instituição. Ela fechou um negócio com o vendedor José Alexandre, marido de uma colega.

Ela entrou em depressão assim que depositou R$127 mil na conta do advogado em duas parcelas. Uma delas de R$70 mil. Segundo a servidora, se não pagasse essas parcelas, ficaria com o nome sujo como inadimplente.

– Caiu o dinheiro lá, eles ficam atrás da gente, ameaçando e tudo. Querem dinheiro de qualquer jeito – disse ela.

Vendedor: servidores não foram forçados

As vítimas pediram para seus nomes não serem revelados, temendo represália.

Assim que o servidor toma o dinheiro emprestado, os bancos conseguem derrubar as liminares e todos os antigos empréstimos voltam a ser cobrados. O salário chega a ser insuficiente. No caso da porteira, o contracheque vem zerado.

– É extorsão. O golpe está aí: o de iludir as pessoas. Eles abandonaram todos, porque prometeram entrar com questionamento (dos juros extorsivos dos primeiros empréstimos) e não entraram. Venderam ilusão, porque eles não negociaram com os bancos.

O vendedor José Alexandre negou que atue com o “advogado” Abraão e disse que ele apenas vende os empréstimos e vive da sua comissão. Afirmou que os clientes não são crianças nem foram forçados a qualquer coisa.

– Quem dá a liminar não sou eu – afirmou Alexandre.

Santander informa desconhecer irregularidade

Os empréstimos – conhecidos até agora – eram dados pelo banco Santander, via Credisete. Procurado, o Santander informou que adota procedimentos rigorosos para a concessão de crédito e desconhece qualquer irregularidade ou fatos que possam desvirtuar a utilização dos recursos.

A Credisete não respondeu às perguntas enviadas. Já a Febraban afirma que não se pronuncia em caso de denúncia contra um único banco.

A advocacia do Senado Federal emitiu um parecer no qual disse que era evidente que os funcionários agiram de “má-fé”. E orientou a Casa a descontar tudo o que foi negociado, por mais que ultrapassasse o limite de 30% previsto na lei. O Banco Central e o Ministério do Trabalho informaram que não cabe a eles opinar sobre o assunto.

Já o “advogado” Abraão desapareceu.

Fonte: Blog do Servidor/ O Globo

Ascom-Rezende