Fantásticos salários

Fantásticos salários

Relação dos contracheques no poder federal evidencia distorção em que uma casta recebe valores estratosféricos, acima do teto de R$ 25.725. O maior é de um professor universitário que ganha R$ 37.136

Apesar de concentrar as médias salariais mais baixas do setor público, nem todos os contracheques do Poder Executivo estão à mingua. Alguns órgãos da administração direta – incluindo fundações e autarquias – ostentam remunerações típicas de multinacionais. Em determinados casos, o funcionário mais bem pago chega a receber, por mês, 40 vezes o que um colega de repartição ganha. Distorções desse tipo não são raras. A relação dos maiores e menores salários do Executivo, publicada ontem pelo Ministério do Planejamento no Diário Oficial da União, mostra que servidores chegam a receber cerca de 50% acima do teto do funcionalismo, que, por lei, corresponde ao subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – atualmente em R$ 25.725,00.

O maior salário é de um professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), cuja remuneração total chega a R$ 46.430,42. O alto valor se explica pelo fato de que o servidor tem decisões judiciais favoráveis a pagamentos de retroativos e conseguiu ainda incorporar uma série de gratificações acumuladas ao longo do tempo. Sobre o montante, no entanto, incide o abate teto – instrumento legal utilizado pelo governo para adequar a folha de pessoal -, o que faz com que a remuneração bruta caia para R$ 37.136,10. Na mesma instituição, o servidor que está na base da pirâmide ganha R$ 837,04 por mês.

Os dados divulgados pelo Planejamento referem-se a agosto de 2009 e foram coletados diretamente do sistema online que administra o quadro de pessoal civil da União, o Siape(1). Naquele mês, o teto do funcionalismo estava em R$ 24.500,00. Esse valor subiu para os atuais R$ 25.725,00 em outubro do ano passado, depois que o Congresso Nacional aprovou e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou um projeto reajustando os salários do STF. O teto dará um novo salto em fevereiro, também por força dessa mesma lei, alcançando R$ 26.723,13.

Dos 216 órgãos ou entidades rastreados pelo Ministério do Planejamento, 18 mantêm em seus quadros servidores que ganham exatos R$ 24.500,00 (o antigo teto). Outros seis pagam salários entre R$ 25,2 mil e R$ 37,1 mil. O governo não dá detalhes sobre o ranking do Executivo(2), mas a maioria dos servidores que recebem os supersalários são aposentados ou estão prestes a se aposentar.

O menor salário é pago pelo Executivo a um servidor do Comando do Exército: R$ 823,14. A baixa remuneração reflete o perfil médio dos órgãos civis e militares. No início do mês, o Correio mostrou a despesa média (gasto total dividido pelo número de servidores) dos Três Poderes subiu entre 2003 e 2009, indicando uma elevação do salário médio dos trabalhadores. Por esse critério, porém, a remuneração média do servidor do Executivo é a mais modesta: R$ 6,8 mil. No Legislativo, o valor é de R$ 12,4 mil, enquanto que no Judiciário, R$ 17,6 mil.

O conceito de direito adquirido é o que justifica tantas diferenças salariais dentro do Executivo. Kiyoshi Harada, advogado especialista em direito administrativo e membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, explica que os vencimentos acima do teto constitucional estão garantidos por “coisa julgada”, ou seja, já superaram todas as instâncias legais e hoje estão pacificados. Algumas decisões da Justiça chegam a proibir o governo de fazer o abate teto e baixar a remuneração do funcionário. “A única forma de reduzir o vencimento seria o Estado comprovar que aquilo é fruto de erro”, resume Harada.

1 – Radiografia

O Siapenet é gerenciado pela secretaria de recursos humanos, órgão vinculado ao Ministério do Planejamento. Nos últimos anos, o portal vem sendo modificado e sua funcionalidade, melhorada. Recentemente, o governo abriu consulta pública para colher sugestões do cidadão. O sistema será reformado até o fim de 2010.

2 – Transparência

A publicação das remunerações do Executivo ocorre três vezes ao ano e está amparada por um decreto presidencial baixado em 2000. A listagem divulgada ontem é a primeira de 2010 e fica disponível na internet. Judiciário e Legislativo não têm a mesma obrigação de repassar essas informações, o que, segundo os órgãos de fiscalização e controle, dificulta o acompanhamento dos gastos com pessoal.

ASCOM-Rezende
Fonte: Correio Braziliense – por Luciano Pires