Da floresta para a mesa

Projeto preserva tradição de preparo de alimentos. 

Alguns dos alimentos nativos mais tradicionais do Brasil estão em risco. E, por isso, frutas e hortaliças ameaçados de extinção ganharam abrigo no projeto Slow Food, que, em seis anos, conquistou adeptos em 145 países. Todos foram convocados a contribuir para um catálogo internacional de mantimentos cuja existência está na berlinda. Dos 800 já listados, 21 são brasileiros.

O objetivo é não apenas proteger só o alimento, mas também as técnicas seculares de cultivo e tradições locais envolvidas na produção artesanal de cada um deles. O palmito-juçara, por exemplo, tem suas sementes colhidas apenas por crianças, porque elas têm mais facilidade para escalar o tronco da palmeira. O ritual é cumprido apenas duas vezes por ano, nas regiões de Mata Atlântica.

A mais tradicional espécie de palmito é uma sobrevivente. Antes encontrada do litoral às serras, hoje limita-se a pequenas regiões, onde é comida crua com mel – os índios não usam sal ou açúcar. Além da derrubada predatória, o crescimento lento também contribuiu para tornar a presença da árvore uma raridade.

No Cerrado, a devastação pôs outra planta em risco. A monocultura de soja e cereais quase riscou do mapa o baruzeiro, cuja fruta amadurece apenas por dois meses. A castanha de baru coleciona virtudes: gosto bom (lembra o amendoim), alto valor nutricional (até 26% de proteínas), integra a receita de numerosos doces e, reza a tradição, é afrodisíaca. Não à toa é chamada de viagra do Cerrado.

Do uso mais profano passamos ao sagrado, ao norte dali. No Amazonas, a tribo SateréMawé, espalhada por 80 aldeias, é a guardiã das florestas originais de guaraná, que fazem parte da cultura religiosa da região.

Segundo os indígenas, a aparência da fruta madura, que lembra um olho, deve-se ao assassinato de uma criança. Após o crime, seus olhos foram plantados como semente.

Lendas à parte, o guaraná, além de rico em fósforo e potássio, mantém os níveis de energia e estimula a atividade cerebral. As flores da planta têm o néctar de abelhas silvestres, domesticadas em algumas aldeias. O néctar, aliás, também ganhou projetos especiais para garantir sua preservação.

– Queremos proteger os produtos ameaçados de extinção, as tradições e culturas alimentares – explica Cênia Salles, líder do principal núcleo de slow food do Brasil, sediado em São Paulo. – São alimentos baseados na agricultura familiar, que não agridem o meio ambiente.

Mais informações sobre o movimento, assim como dos alimentos protegidos, podem ser encontradas no site www.slowfoodbrasil.com.

Ascom-Rezende

Fonte: O GLOBO/ Renato Grandelle.