Retaliação favorece o Brasil
Exportadores dizem que EUA serão forçados a negociar facilidades para a entrada de produtos brasileiros no mercado americano.
Os empresários apostam em um acordo com o governo dos Estados Unidos em torno do contencioso do algodão na Organização Mundial do Comércio (OMC), que permitiu ao Brasil retaliar as importações de itens norte-americanos em US$ 829 milhões. Segundo representantes dos exportadores, temendo que as restrições se estendam aos serviços e, principalmente, à propriedade intelectual, os EUA devem ser forçados a negociar compensações para a entrada de alguns produtos brasileiros em seu mercado. O maior receio é a quebra de patentes de setores sensíveis, como o farmacêutico e o de programas de computadores, que têm grande poder de pressão na Casa Branca e no Congresso.
Para suspender a entrada em vigor da retaliação a 102 produtos vendidos ao Brasil, anunciada anteontem, as autoridades comerciais norte-americanas têm 28 dias para apresentar uma proposta capaz de agradar ao setor exportador. “Temos notícias de que um pacote de compensações está a caminho para evitar uma guerra comercial”, afirma o diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti da Fonseca.
A lista divulgada pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) atinge exportações norte-americanas no valor de US$ 591 milhões. Para Giannetti, se as medidas forem postas em prática, as exportações dos EUA para o Brasil devem ser reduzidas nesse valor, sendo substituídas por compras internas ou em terceiros países. Entre os produtos afetados pelo aumento das tarifas de importação, estão trigo, tecidos de algodão, automóveis de luxo, motocicletas, telefones celulares, lâminas de barbear e sucos de frutas. A OMC também autorizou o Brasil a retaliar serviços e propriedade intelectual em US$ 238 milhões.
“É a primeira vez que isso acontece, o que abre um precedente perigoso não só para os Estados Unidos, que são obsessivos na defesa de patentes industriais, mas como para outros países que investem em tecnologia”, diz Giannetti. Para ele, a pressão interna da indústria farmacêutica e de softwares deve forçar o governo do presidente Barack Obama a apresentar uma proposta de compensações. O diretor da Fiesp aponta alguns produtos candidatos naturais a uma eventual redução das tarifas ou a cotas com isenção do imposto: etanol, carne in natura e suco de laranja. Os três sofrem restrições tarifárias ou fitossanitárias para entrar no mercado norte-americano.
Pesquisa
O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, também acredita na apresentação de uma proposta de negociação. “Se as retaliações ficassem só no que foi anunciado até agora, eles nem se mexeriam. Nenhuma empresa vai quebrar por causa disso. Mas a propriedade intelectual é uma área muito sensível. Quebras de patentes podem desestimular a pesquisa para o desenvolvimento de novos medicamentos”, diz. Segundo ele, apesar do valor pequeno, o impacto político da medida seria grande. O governo brasileiro já editou a medida provisória que autoriza essa retaliação “cruzada” e uma lista de itens será colocada em consulta pública no dia 23. Castro faz, entretanto, um alerta. Se resolverem levar a disputa adiante, os EUA podem retirar o Brasil do Sistema Geral de Preferências, que concede, de forma unilateral, tarifas menores para produtos de países emergentes.
O secretário de Comércio dos EUA, Gary Locke, esteve ontem em Brasília, mas não trouxe nenhuma proposta. “Não era uma reunião de negociação. Estamos esperando por uma proposta que, até agora, não aconteceu”, disse o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, após se reunir com Locke.
A propriedade intelectual é uma área muito sensível. Quebras de patentes podem desestimular a pesquisa”
José Augusto de Castro, vice-presidente da AEB
Escalada do conflito
O senador americano Mike Johanns, ex-secretário de Agricultura dos EUA, advertiu ontem os que querem promover uma escalada no conflito comercial com o governo brasileiro sobre os subsídios ao algodão. Ele afirmou que o Brasil somará “muitos amigos” em todo o mundo, caso Washington entre nessa disputa. “Se surpreenderiam com o apoio internacional com que conta o Brasil”, disse o senador republicano, ex-secretário de Agricultura. “Se preparem, o Brasil escolherá as áreas mais sensíveis que conseguirem como represália”, disse Johanns. O comércio bilateral entre Estados Unidos e Brasil alcançou cerca de US$ 46,3 bilhões em 2009.
Também ontem, grupos empresariais dos Estados Unidos criticaram o governo de Barack Obama por não conseguir resolver disputas comerciais que levam o Brasil a impor sanções comerciais aos produtos norte-americanos. “Pelo bem dos trabalhadores e dos agricultores norte-americanos, não podemos permitir que surja um padrão no qual a inação de Washington a respeito do comércio coloque empregos em risco”, disse John Murphy, vice-presidente de políticas internacionais da Câmara de Comércio dos EUA. Após a divulgação da lista de produtos norte-americanos cujas alíquotas de importação serão elevadas, e entre os quais consta o trigo cultivado nos EUA, produtores canadenses desse cereal disseram esperar ganhos nas suas exportações por causa da disputa.
Ascom-Rezende
Fonte: Correio Brasiliense/Ricardo Allan