Os fundos internacionais estão entrando na floresta
Eduardo Braga acaba de deixar o governo do Amazonas para se candidatar ao Senado e, nesta entrevista ao JB, revela sua bandeira e deixa um alerta: o país precisa de uma política séria sobre transferências de terras na floresta amazônica. Diz que a terra é barata, e não há controle da compra de propriedades por fundos estrangeiros. Se eleito, garante que apresentará lei para que União autorize ou não a venda.
No Amazonas tem área pública para licitação? O senhor é a favor ou contra? – Sou a favor. Aqui no Amazonas ainda não tem área pública de flona (floresta nacional) em licitação. Tem uma área pública estadual que nós ainda estamos regulamentando. Mas sou a favor, porque acho que. se a gente souber trabalhar de forma correta, não excluindo as comunidades, não excluindo os pequenos produtores das flonas, nós vamos dar passos importantes também na direção da sustentabilidade.
A floresta é um ser vivo. A floresta consome mais carbono quanto mais jovem ela for. Mas não significa dizer que ela é neutra. Isso significa dizer que a floresta não pode ser um santuário, porque se ela for um santuário, menos serviços ambientais ela prestará para a melhoria da qualidade do clima ou para o enfrentamento do aquecimento global. E as flonas vão ser importantes para que a gente possa regular, portanto, a idade da nossa floresta nativa.
Mas há meta para flonas? – Há, nós temos uma do estado, que pretende entrar em funcionamento por volta de 2011 ou 2012. É muito complexo você entrar com uma flona para não querer correr riscos. O governo federal está na terceira flona (área licitada no Amapá). E estamos analisando cada um dos acertos e erros desse processo. Acho que é um pouco a missão do governo federal ser o laboratório para a gente compreender, porque essa é uma nova fronteira do desenvolvimento sustentável em florestas. E aí a regulação do governo federal segue como um parâmetro para que a gente possa regular as flonas estaduais.
Há um grande problema na Amazônia que é a questão fundiária. Há controle? Como será feito se o governo quiser licitar área ocupada? – O que nós defendemos é de que isso dependa da propriedade.
Se a propriedade da terra for federal, deve ser tocada pelo governo federal. Se a for do governo estadual, deve ser estadual.
Se for privada, por que não uma flona privada? Pode também.
Tem mapeamento do solo ocupado por famílias? – Não se pode dizer que é irregular.
Ela não tem a titularidade da terra, mas eles ocupam aquela terra há dezenas de anos, lá de trás, do período da borracha, quando terra pública era chamada de devoluta. Agora vem o momento da sustentabilidade, e não tenho a menor dúvida de que vai trazer um novo desenho da ocupação. Neste contexto de sustentabilidade, destaca-se um programa seu, o Bolsa Floresta.
São beneficiários também do Bolsa Família? – Pode ser comum, não há nada que impeça. A Bolsa Família é por uma razão social pura, ou seja, são famílias excluídas que têm crianças que estejam em idade escolar. O Bolsa Floresta é um contrato de não-desmatamento ou não-incremento da área desmatada, se ele morar dentro da unidade de conservação.
Como é que essas famílias vivem, se elas precisam da área para sobreviver? Cultura de subsistência? – Isso. Eles não usam horta. O que eles usam é farinha, frutas típicas da região. Na realidade o que eles têm é uma grande agricultura de subsistência e têm um grande escambo no interior da Amazônia, que agora, em função de todos esses arranjos que estão sendo implementados, arranjos de produtos florestais, não degradados, não devastadores do meio ambiente, e agora começa a surgir bases econômicas de maior escala. Digo que entre manejo de peixe, manejo florestal, madeireira e não madeireira, produtos da merenda escolar, ou dos móveis escolares, nós temos aí uma população de 300 a 400 mil pessoas que dependem desse ciclo.
O Bolsa Floresta tem 6 mil beneficiários, com alcance de 28 mil pessoas. Tem como ampliar? – Sim, nós estamos buscando novos cotistas, porque você precisa montar um fundo fiduciário, porque você só gasta, anualmente, os rendimentos desse fundo, para que a Bolsa Floresta possa perdurar enquanto floresta. Hoje estamos investindo entre o fundo fiduciário e o orçamento de custeio algo como R$ 18 milhões. Temos que chegar a 60 mil famílias.
Na questão ambiental, como um todo, há uma má vontade da imprensa sobre a Amazônia, e da internacional sobre o Brasil? – Não. A grande imprensa brasileira dá menos atenção à Amazônia do que a grande imprensa internacional. Não é má vontade, talvez seja o enfoque errado.
Estou já há 10 anos nessa militância. Não sinto dolo, não sinto má-fé. Eles genuinamente são induzidos a acreditar numa coisa que eles não conhecem.
Onde isso começou? – Emfalsaspremissas.Porexemplo, a Amazônia não é o pulmão do mundo. Quando muito, e o Al Gore (ex-vice presidente americano) falou corretamente, ela pode segurar um pouco da respiração do planeta, ela pode armazenar um pouco, mas se você chegar a qualquer um no mundo e perguntar o que a Amazônia representa, “é o pulmão do mundo”, porque essa verdade passou a ser inquestionável.
Ela é, na realidade, um grande refrigerador do planeta.
Ela produz água, diminui a temperatura.
Há uma grande preocupação da Abin e do governo federal em não deixar terra pública ser “grilada” por organismos internacionais. O senhor tem levantamento de ONGs ou estrangeiros que têm terra no Amazonas? – Não tenho, não. Talvez nem o governo federal tenha.
Isso não é preocupante? – É uma preocupação, sim.
Tem como levantar? – É muito complicado, porque a Amazônia, como um todo, tem entre 11% e 12% de terras privadas. E essas terras privadas mudam de mão sem nenhuma diferenciação da propriedade do Rio de Janeiro, por exemplo. Não há uma política de transferência de propriedade na Amazônia diferente do resto do país. Aqui, se eu sou dono de 100 hectares, ou de 1 milhão de hectares, privados, eu vendo para quem eu quiser.
É boato ou verdade notícias sobre a entrada oficial de estrangeiros na região Amazônia? – Não é bobagem, não. E eles estão entrando economicamente.
Não estão entrando pela pessoa física.
Para comprar terra…
– Issomesmo.Eles estão entrando para isso e são fundos de investimento, porque é muito barato (a terra). Claro que me preocupa.
Por isso deveria ter, e aí o Congresso Nacional pode ajudar, uma lei de propriedade privada diferente do resto do país. O Brasil precisa saber se ele quer que seja 11%, 12% ou 13% de terras privadas que podem ou não ser vendidos para fundos estrangeiros, para investidor estrangeiro, e sob que condições.
Se o Brasil disser “eu quero que seja assim”, ok. Agora, se não quer, então não permita, submeta à aprovação. Se eu sou proprietário de 1 milhão de hectares e quero vender para um… Anthony Phillipp, ok, eu tenho que ter uma não objeção do governo federal, ou do governo estadual, ou do governo municipal para eu poder vender. O Brasil não trata a lei de propriedade particular na Amazônia, propriedades fundiárias ou o que seja, diferentemente do Rio. Se eu tiver 1 milhão de hectares no Rio eu vendo para quem eu quiser: brasileiro, russo, alemão.
Aqui na Amazônia não acontece isso – Aqui acontece igualzinho como acontece no Rio. Nós não temos uma lei diferente aqui. Da mesma forma que um fundo estrangeiro pode, lá no Rio de Janeiro, comprar um estaleiro e junto com o estaleiro vir alguns milhares de metros quadrados, ele pode comprar qualquer empresa aqui e junto com a empresa vir alguns milhares não de metros quadrados, mas de hectares.
O senhor, como senador, proporia essa lei? – Acho que o Brasil tem que poder opinar, se quer ou não quer. Acho que o Brasil pode pensar e pode discutir uma lei sobre propriedade particular na Amazônia com relação a estrangeiros, assim como o Brasil tem uma lei, por exemplo, que trata da participação do recurso financeiro estrangeiro nos meios de comunicação, da aviação, etc.
Nós temos uma lei diferente.
Agora, não temos nenhuma lei diferente com relação às propriedades na Amazônia.
O senhor é candidato ao Senado. O que o senhor espera da Casa a partir do ano que vem. Há como renovar o debate? – Acho que o Senado vai ser muito renovado, porque dois terços dele vão às urnas e além de dois terços irem obrigatoriamente à urna, ainda há aquela parte que vai à urna porque pretende alcançar um cargo no Executivo.
Acho que 50% do Senado devem renovar.
Concorda com senador que se elege para depois ir para cargo executivo? – Na democracia a gente sabe que a vontade da população é sempre expressa pela vontade da maioria. Portanto, se um senador sai candidato a governador ou a presidente da República, é legítimo no processo democrático.
Quem será seu suplente? – Deve estarumabriga boa, mas é o seguinte: a minha primeira suplente vai ser a minha esposa.
Não porque é minha esposa, é porque em todas as pesquisas ela é a pessoa mais identificada com a nossa plataforma. A Sandra se envolveu tanto com esse projeto que hoje é uma pessoa que tem uma força social muito grande aqui dentro do estado. Então, ela é uma militante, não é exatamente a minha esposa. E ao mesmo tempo ela não tem a pretensão de ocupar um cargo eletivo, portanto é uma homenagem a uma mulher amazonense que teve um trabalho voluntário participativo ao longo de todo esse processo e que alcançou uma respeitabilidade notável.
O Senado vai discutir a reforma política? – Espero que discuta, pelo menos.
Se depender de nós, vamos levar essa discussão.
Há um ponto polêmico que é o do suplente. Muitos concordam, outros não. Acha que deve haver suplente ou ele deve ser eleito? – Se você me perguntar se eu acho que deve ter suplente. Sinceramente, não sou a favor do suplente. Se você me perguntar: ah, o suplente deve ser eleito? Também acho que não. Acho que se o senador, por algum motivo, faltar, o segundo lugar deve assumir. E se, por algum motivo, ele renunciar, nova eleição deve ser feita. É o que eu defendo. Esse mecanismo da suplência, não conheço nenhum similar no mundo.
O senhor pode chegar ao Senado com uma bandeira ambiental…
– Devo chegar.
Acredita que a Casa Alta hoje tem uma consciência ambiental? – Acho que ela pode evoluir nessa consciência. Nós defendemos isso aqui (propostas de preservação), internamente, e praticamos. Nós damos incentivo fiscal para os produtos da floresta que sejam sustentáveis, mas a união não dá. Nós damos crédito facilitado para os produtos da floresta, que sejam sustentáveis, mas é difícil a união dar. Então eu acho que dá para fazer muitas coisas no Senado da República para ajudar o fortalecimento desta economia verde no Brasil.
Acho que tem muita coisa que dá para fazer e eu espero poder contribuir nessa direção.
Ascom-Rezende
Fonte:Notícias Agrícola/ Mazoni/Manaus