Fundos estrangeiros compram mais terras agrícolas no Brasil
Enquanto o governo brasileiro avalia impor limites à compra de terras por estrangeiros, multiplicam-se as aquisições fechadas em outros idiomas nas principais regiões agrícolas do país. Ainda que na maior parte dos casos a discrição seja vital para o acerto e players estabelecidos no mercado afirmem que esperavam um número de transações maior do que o noticiado, o fato é que o movimento está em curso e ainda deverá ganhar mais força.
Exemplo dessa tendência é a NAI Commercial Properties, multinacional do ramo imobiliário que intermediou cerca de 30 negócios envolvendo grandes áreas de terras no Brasil em 2010, a grande maioria com mais de 10 mil hectares e formada por uma ou mais fazendas. Do total, 16 blocos foram adquiridos por fundos de investimento sediados em outros países.
Conforme Aloísio Barinotti, presidente da empresa no Brasil, o interesse é cada vez maior. Em 2009, lembra, a NAI acertou a transferência de 12 grandes áreas no Brasil, oito delas compradas fundos estrangeiros. Levantamento divulgado recentemente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que, em 2010, cerca de US$ 14 bilhões foram investidos em todo o mundo na compra de terras para a agricultura – e, segundo a agência Reuters, o Brasil foi um dos principais destinos desses aportes.
É difícil saber se o perfil dos negócios fechados pela NAI serve para explicar o que acontece no mercado brasileiro como um todo, uma vez que não há dados oficiais atuais e disponíveis que mostrem quem vende e quem compra. Mas, considerando-se apenas o nicho de grandes áreas para a produção de commodities para exportação, Barinotti acredita que a fatia da NAI seja um pouco superior a 20%.
De qualquer forma, diz, os investimentos estrangeiros em terras no país não cessaram com a discussão sobre os limites ao movimento e, pelo menos por enquanto, a tendência é de incremento.
As 16 fazendas cujas vendas a fundos de fora foram intermediadas pela NAI em 2010 estão nos Estados de Goiás, Mato Grosso, São Paulo, Paraná, Bahia e Tocantins. No total, somam 96 mil hectares, sendo a maior na região de Pedro Afonso, Tocantins. Ali, duas fazendas, com 40 mil hectares no total, foram vendidas a um único fundo por R$ 6 mil/hectare, em média – um negócio que pode ser estimado, portanto, em R$ 240 milhões
Nesse universo, apenas duas áreas têm menos de 10 mil hectares. Uma delas está na região de Barretos (SP), tem 1,5 mil hectares e foi vendida pelo valor mais alto entre todos os negócios da NAI (preço médio de R$ 32 mil por hectare), e a outra é na região de Luís Eduardo Magalhães (BA), tem 5 mil hectares e saiu por R$ 10 mil por hectare, em média.
Todas as transações, explica Barinotti, tiveram compromisso de compra e venda assinado e os devidos valores quitados. Algumas estão em fase de escrituração ou em fase de matrícula no cartório. As operações, continua, foram pagas diretamente por fundos, ou pelos mesmos em associação com grupos brasileiros.
“Eles estão mais organizados, trocando informações entre si sobre operações que realizam a fim de se proteger legalmente”, diz o presidente da NAI no Brasil, que tem cerca de 200 fundos de investimento cadastrados com interesse em comprar terras para agregar valor com agricultura.
Se não interrompeu o fluxo de negócios, a sinalização de restrição do governo – expressa no último parecer da Advocacia Geral da União (AGU) sobre o assunto, de junho de 2010 – pode até estar acelerando negócios antes que a porta seja fechada. É difícil saber, mas quem atua nesse mercado acompanha o debate de perto. “Nossa posição é de que o parecer da AGU é inconstitucional”, diz Arlindo de Moura, presidente da SLC Agrícola, uma das maiores companhias produtoras de grãos do país.
Ele antevê uma “interessante” briga jurídica pela frente. “A lei à qual se refere a restrição, expressa no parecer, é de 1971 e previa a existência de empresas estrangeiras e nacionais. A Constituição de 1988 vetou essa segregação e passou a considerar que todas as empresas instaladas no Brasil são brasileiras. Por isso, ao nosso ver, essa restrição não é legal”, diz Moura.
Mas, apesar disso, a insegurança jurídica atrapalhou, em parte, os planos da SLC. No ano passado, a companhia estabeleceu as diretrizes da sua unidade de terras, a Land Co., que foi criada oficialmente em janeiro deste ano. O plano era captar US$ 300 milhões para investir no projeto, e no segundo semestre do ano passado US$ 200 milhões estavam em fase final de captação com fundos soberanos e privados. “Após o parecer da AGU, a captação ficou em estado de espera. Muitos dos fundos que estavam com apetite aguardam uma nova legislação mais esclarecedora”, diz Moura.
E o impasse já causa confusão. No dia-a-dia dos cartórios, conta o executivo, já está mais complicado registrar um imóvel. “Os cartórios estão com dificuldade de saber que municípios já chegaram ou não no limite de 5% de registros de terras feitos por estrangeiros”, diz, referindo-se ao parecer da AGU. Independentemente da constitucionalidade do parecer, afirma, o problema está na insegurança jurídica que a situação traz. “O que impede que daqui a dez anos uma nova mudança seja feita?”, pergunta.
Assim como a SLC Agrícola, a Cosan, maior grupo sucroalcooleiro do país, criou há quase dois anos uma empresa de terras para aproveitar o apetite de fundos de investimento e, ao mesmo tempo, impor sua expertise em produção agrícola para agregar valor aos ativos. Batizada de Radar, a empresa tem 19% de participação da Cosan. O restante está principalmente nas mãos de fundos estrangeiros.
“A Cosan é que controla a Radar. Por isso, não estamos sob qualquer restrição. O que a gente observa é que as sinalizações do governo reduziram a liquidez no campo de forma geral, atrapalhando o volume de negócios que vinham sendo realizados”, diz Marcos Lutz, presidente da Cosan.
Ascom-Rezende
Fonte: SEAGRI