“Etanol ganha passaporte para o mundo”

Para o executivo, a partir de agora maior briga será para derrubar a tarifa de importação dos EUA sobre o combustível.

Entrevista

Marcos Jank: presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar

Quando foi escalado para presidir a maior associação da indústria canavieira do País (a Unica), em junho de 2007, Marcos Jank recebeu a missão de convencer o mundo das vantagens do etanol brasileiro e transformar o produto – que começava ser bombardeado no exterior por ambientalistas – em uma commodity, negociada no mercado internacional.

Para cumprir o desafio, ele instalou equipes nos potenciais países consumidores do biocombustível. A principal delas ficou em Washington para contrata-atacar o lobby dos produtores do etanol de milho, que sempre tentaram desqualificar o produto brasileiro.

Depois de muitos estudos, palestras, discussões e lobby junto ao Congresso americano, eles conseguiram a maior vitória da indústria canavieira nos últimos anos. Na quarta-feira, a Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) classificou o etanol feito de cana como um biocombustível avançado, que reduz a emissão de dióxido de carbono em 61% comparado a gasolina. “Essa decisão nos dá o passaporte para colocar o etanol de cana no mundo”, comemora Jank. A seguir trechos da entrevista:

Como o sr. avalia a decisão?

Foi a principal conquista nesses quase três anos que estou aqui. Isso reflete um trabalho de equipe que foi montado desde o começo da minha gestão, que foi colocar escritórios no exterior. Essas pessoas estão fazendo um trabalho cotidiano. Entre Estados Unidos e Europa, são seis pessoas trabalhando full time nesses assuntos. Sabíamos que o debate seria o combustível de baixo carbono – o que quer dizer uma gasolina ou diesel que ao se adicionar ao etanol ou biodiesel reduz o seu teor das emissões – e que na medida que passasse nesse teste a gente poderia entrar numa briga mais séria sobre tarifa.

O que vem pela frente agora?

Entramos na terceira fase do etanol, que é o reconhecimento do nosso produto no mundo. Passamos dois anos sendo muito criticados e agora o principal órgão regulador americano – equivalente ao nosso Ibama, mas com uma estrutura muito maior – nos dá o passaporte para colocar o etanol de cana no mundo. Basicamente o que eles dizem é que o nosso álcool reduz as emissões em 61% comparado à gasolina enquanto o etanol de milho, 21%. O número é três vezes maior que o do milho. Isso incluindo o famigerado uso da terra. Eles não só medem as emissões desde o plantio da cana até o escapamento do carro como também acrescentam o uso direto e indireto da terra. O uso direto é a expansão da cana sobre a floresta, que não existe mais no Brasil. Hoje 99% da expansão da cana no País ocorre em área de pastagem ou áreas agrícolas. Mas eles alegavam que havia um efeito indireto, que quando há o aumento de uma área plantada em Piracicaba, por exemplo, eu empurro o boi para o cerrado ou para a Amazônia.

A decisão finalmente vai transformar o etanol em commodity?

Acho que estamos entrando na fase que será a consolidação do etanol como commodity global. Ganhamos o passaporte para isso. Daqui para frente o nosso futuro não é só substituir petróleo ou abastecer os carros flex brasileiros. Temos a terceira oportunidade que é o reconhecimento do etanol como elemento fundamental de mitigação de gases de efeito estufa no mundo.

Como pôr a decisão americana em pratica?

Primeira coisa importante, e não é por acaso, é que um acordo como esse que foi assinado esta semana entre Shell e Cosan já é reflexo do que ocorreu ontem. São duas notícias interligadas. Já estávamos verificando o interesse das petroleiras pelo etanol. Todas as grandes vieram conversar com a gente. Elas sabem que o etanol que sai da cana é o mais eficiente, que mais reduz emissões e o único comercialmente viável, como afirmou o próprio vice-presidente da Shell. Apesar das outras opções futuras, como etanol de celulose e carro elétrico, hoje concretamente a melhor alternativa é o etanol de cana. Esse passaporte nos abre a porta para o resto do mundo. O que falta agora? Falta derrubar a tarifa americana. Mas, na medida que empresas como BP e a Shell estão investindo nisso, elas ajudam a defender a causa lá fora, com grande poder de persuasão.

Mas quando vamos exportar mais etanol para os EUA?

Com a restrição das tarifas, por enquanto podemos elevar a exportação via Caribe até o limite de 7% do consumo americano. Mas isso tem custo alto. Além disso, não vamos conseguir fornecer uma quantia muito grande de etanol em um ou dois anos. Acho difícil ocorrer muita coisa este ano, até porque tivemos uma quebra de safra de 4 bilhões de litros de etanol. Por isso é importante derrubar a tarifa, porque teríamos previsibilidade de demanda e poderíamos investir no aumento da capacidade. E como se dará o debate da tarifa? A tarifa tem sido renovada pelo lobby do milho desde 1980, quando foi criada como temporária. A próxima renovação teria de ocorrer ao longo deste ano para não expirar em 31 de dezembro. E vão tentar renovar. Existe um discurso nacionalista nos EUA que diz: “Precisamos de segurança energética e não podemos depender do álcool brasileiro”.

A decisão da EPA fortalece a consolidação do setor?

A consolidação começou a ocorrer desde a crise financeira e vai continuar intensa. O setor é muito segmentado. Temos 438 usinas nas mãos de 200 grupos econômicos. A tendência é um número menor de empresas com tamanhos cada vez maiores.

Ascom-Rezende

Fonte: O Estado de São Paulo/Renée Pereira