Educação no campo: entre o lápis e a enxada

Os manuais de alfabetização na década de 1950 ensinavam: Ivo viu a uva. Hoje, sabe-se que Ivo não se contenta em apenas ver a uva, mas quer aprender mais. A meta é se alfabetizar para conhecer técnicas de manejo que resultem em aumento de produtividade e ganho de competitividade. “Colher a uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura”, garante o educador Paulo Freire, grande responsável pela revolução no ensino brasileiro, ao mostrar que o importante é alfabetizar conscientizando.

Na prática, na mesma proporção em que aumenta a representatividade e a participação da agricultura familiar na economia brasileira, cresce também o interesse dos produtores por educação básica e qualificação. Foi o que fez o agricultor do município de Glorinha Antônio Correia Barcelos, que recentemente decidiu aprender a ler e a escrever. Até os dez anos de idade, ele frequentou a escola, mas com a viuvez da mãe se viu obrigado a largar os estudos para trabalhar e ajudar no sustento na casa.

“Tudo era difícil naquela época, o colégio longe da nossa casa, mas nunca é tarde para aprender a ler e escrever”, afirma Barcelos, com 58 anos. Depois de dois anos de curso, o agricultor comemora coisas simples do dia a dia, como poder ler o nome dos produtos no supermercado ou o destino dos ônibus. São feitos que, para ele, representam grandes vitórias. “Quero fazer outros cursos, me especializar na lida com o gado, além de me especializar em mecânica e sanidade”, revela. Barcelos, que cultiva milho, batata e mandioca e cria gado leiteiro, conta que por saber da importância da educação colocou os filhos desde cedo na escola. “Tenho uma na quinta série e outra que já tem segundo grau completo”, fala orgulhoso.

A expansão da agricultura familiar no Brasil, que fornece 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), tem motivado a procura por mais qualificação. A obrigatoriedade de que pelo menos 30% da merenda escolar seja oriunda da agricultura familiar, o programa Mais Alimentos (que financia máquinas e equipamentos agrícolas a juros reduzidos) e o incremento substancial do volume de crédito agrícola via Pronaf, também têm mobilizado os produtores  por mais conhecimento como forma de aproveitar as oportunidades e aumentar a produção e a renda.

O MDA aponta ainda que pelo menos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) se origina neste segmento. “Todas as categorias de trabalho tendem a fazer o melhor que podem, por isso, muitos jovens procuram escolas e universidades para ajudar nos ganhos da família”, revela a coordenadora estadual da Mulher Trabalhadora Rural da Fetag-RS, Lérida Pazanelo.

A corrida pela educação no campo já refletiu nos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009, levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa revela que a taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais está em queda: o percentual passou de 11,5% em 2004 para 9,7% em 2009.

Um retrato mais abrangente da situação do ensino no campo foi feito pelo IBGE, através do Censo Agropecuário 2006. Mesmo com os avanços em prol da educação, 39% dos agricultores brasileiros são analfabetos ou sabem ler e escrever, mas não têm nenhum estudo, e 43% possuem Ensino Fundamental incompleto. Entre as mulheres, o analfabetismo chega a 45,7%, enquanto entre os homens essa taxa é de 38,1%. Os índices para os outros níveis de ensino são: 8% para Ensino Fundamental completo, 7% para técnico agrícola ou nível médio completo e apenas 3% com Nível Superior.

A sede por conhecimento impulsiona também quem é o maior responsável pela educação agrícola no País, o Senar. O chefe da divisão técnica da instituição no Estado, Taylor Guedes, afirma que a cada ano cresce o número de cursos oferecidos. Em 2000 foram 1.200, enquanto em 2010 são mais de 5 mil cursos oferecidos nas mais diversas áreas. “Calculamos que neste ano mais de 90 mil pessoas passem pelos bancos escolares do Senar-RS. Somos cada vez mais procurados, não só pelos agricultores, mas também por empresas que buscam a capacitação para seus integrados”, informa o dirigente.

A oportunidade de comercializar produtos para as escolas, segundo Guedes, foi determinante para incentivar a profissionalização no meio rural. “Não basta saber plantar e criar, é preciso transformar o que se produz em geleias, embutidos, queijos, vinhos”, exemplifica. A previsão é fechar 2010 com mais de 63 mil produtores formados pelos bancos escolares do Senar no Rio Grande do Sul.
Produtor busca recorde no leite para se firmar no mercado

Augustinho reuniu a família e decidiu apostar tudo na atividade leiteira

Bater recordes na produção de leite já virou obrigação para quem planeja ocupar um lugar ao sol no Rio Grande do Sul. A alta demanda pela matéria-prima tem levado muita gente a correr atrás do prejuízo, na tentativa de expandir o rebanho e, de quebra, a produtividade. Foi o que fez Augustinho Neumann, que há 12 anos se dedicava apenas ao cultivo de grãos e fumo, mas que, em 1998, resolveu revolucionar a propriedade ao optar exclusivamente pela atividade leiteira.

Em 2002, após investir em qualificação com os cursos do Senar/RS, saiu de uma média diária de captação de 20 litros de leite tirados de apenas cinco vacas, passou para a média de 104 mil litros, de um rebanho de 20 vacas. “Tudo isso foi graças ao aprendizado sobre melhoramento genético animal e também sobre a importância da alimentação na criação de terneiras e novilhas”, disse o agricultor. Para 2010, a projeção é chegar a 131 mil litros de leite, com uma média de 15 mil litros de leite mensais. A decisão na escolha dos cursos preparatórios do Senar-RS foi feita junto com a esposa e o filho. Eles perceberam a necessidade de aperfeiçoar o conhecimento para melhorar a renda. Hoje, a atividade da família Neumann envolve o recolhimento da vaca, a ordenha e o resfriamento do leite.

O chefe da divisão técnica do Senar, Taylor Guedes, diz que a demanda por cursos na área leiteira são os que mais registram crescimento nos últimos tempos, especialmente em função da instalação de diversas indústrias de grande porte voltadas para o setor. Outros cursos em alta, segundo ele, são aqueles voltados à gestão de propriedades, informática, fumo e reflorestamento.

Guedes lembra o caso da empresa Fruticesa, produtora de maçãs em São José dos Ausentes. Os funcionários participaram de 20 treinamentos regulares gratuitos do Senar, visando a incrementar a produção. Segundo o dirigente, os proprietários aliaram a vontade de obter bons resultados com a qualificação profissional de todos os funcionários. O resultado foi um upgrade na relação com os colaboradores, além da maximização da eficiência dos serviços e dos equipamentos utilizados na empresa. Os cursos de mecanização permitiram aos operadores de máquinas o manejo mais adequado de tratores, além do uso racional de agrotóxicos e a correta manutenção dos equipamentos, fatores que refletem diretamente na boa qualidade da fruta. O aumento no volume de toneladas da maçã nos últimos três anos, período em que os proprietários e os funcionários participaram dos treinamentos, foi significativo: de 1.782 toneladas para 3.618 toneladas.

Casa Familiar qualifica a mão de obra

Uma experiência francesa desenvolvida com o intuito de educar jovens agricultores tem dado bons frutos no País. Trata-se da Casa Familiar Rural, com dezenas de unidades espelhadas por todo o Brasil, mas com maior concentração na região Sul. Nela, os alunos são capacitados em diversas áreas, tais como fruticultura, horticultura, produção leiteira, apicultura e piscicultura. “A base é a alternância pedagógica, através da qual o aluno fica uma semana direto na nossa casa e outro período na sua residência”, explica a coordenadora estadual da Mulher Trabalhadora Rural da Fetag-RS, Lérida Pazanelo. É no momento de retorno às propriedades de origem que os aprendizes começam a transportar para a sua realidade todo o conhecimento adquirido na escola. É um ir e vir constante que acaba integrando os dois polos, proporcionando melhor aproveitamento por parte dos estudantes. “Eles acabam aplicando na prática em suas propriedades o que aprenderam”, explica a especialista. Esses cursos podem ser feitos tanto a nível se Ensino Médio quanto em cursos técnicos.

Como ocorre com outras tantas escolas rurais, as Casas Familiares também têm enfrentado sérias dificuldades para se manter atuantes, buscando sustento através de parcerias, com sindicatos rurais, prefeituras e com a comunidade. “Mesmo com todas as dificuldades, é crescente a demanda por qualificação através desse modelo de escola”, disse Lérida.

Tradição das escolas técnicas rurais é mantida no campo

Mesmo com tantas opções de cursos e instituições, muitos jovens ainda preferem as tradicionais escolas técnicas para se aperfeiçoar, como é o caso da Escola Técnica Agrícola (ETA), de Viamão, que neste ano completou 100 anos. O presidente da Associação Gaúcha de Professores Técnicos de Ensino Agrícola, Fritz Roloff, lembra que os gaúchos contam com 20 escolas técnicas estaduais, além das federais, que mesmo enfrentando problemas estruturais oferecem recursos variados para quem deseja se especializar nas lides do campo. “Muitas se deparam com falta de verba, carência de docentes e necessidade de uma completa revitalização”, enumerou Fritz.

Em alguns casos, as máquinas agrícolas nas escolas datam da década de 1970. “É preciso pensar em uma total remodelação para reverter a situação de sucateamento”, afirmou o dirigente, que ressalta ainda a importância da contratação de professores especializados. Fritz destacou ainda o fato de que a crescente busca pela educação pode ser em parte justificada pela redução das diferenças entre o meio rural e o urbano. “As mesmas tecnologias que se usam na cidade, como informática e celular, já estão disponíveis para os produtores. Hoje é possível ter acesso à educação sem precisar sair de casa. O sonho de ir para a cidade não é mais tão almejado como antigamente”.

Sescoop/RS aguarda aval do MEC para faculdade do Cooperativismo

A primeira faculdade de Tecnologia do Cooperativismo do País (Escoop) é gaúcha e aguarda para o início de 2011 o credenciamento do Ministério da Agricultura (MEC), que autorizará o seu funcionamento com status de faculdade. A criação de mais um espaço para o aperfeiçoamento de pessoas vinculadas ao campo se deve ao crescente interesse por qualificação. “O foco é na gestão de cooperativas, nos desafios de encarar um meio rural cada vez mais tecnificado”, explicou o presidente do Sistema

Ocergs-Sescoop/RS, Vergilio Perius. Atualmente, a Ocergs realiza o Curso Superior em Gestão de Cooperativas (Gescoop), que em maio desse ano colou grau de 37 novos gestores. “Foi a primeira turma do curso realizado pelo Sescoop/RS em parceria com a Univates”, disse Perius. O registro da Escoop está praticamente encaminhando e a expectativa é de que até março do ano que vem seja feito o primeiro vestibular. A documentação, que inclui o plano pedagógico e de desenvolvimento institucional, já foi aprovada e em outubro, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) avaliou positivamente a instituição. Agora o projeto segue para o Conselho Nacional de Educação e ao ministro da Educação, para credenciamento. Perius disse que a intenção é criar o curso tecnólogo em Gestão de Cooperativas, com duas turmas por ano, além de também cursos de especialização em nível de pós-graduação lato sensu em cooperativismo e ainda a criação de um mestrado específico na área.

Ascom-Rezende

Fonte: Canal do Produtor/Autor: Ana Esteves. Fonte: Jornal do Comércio.